PT/EN

O documentário As Operações SAAL de João Dias é o primeiro que se realiza sobre o SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local) passado o tempo em que os múltiplos documentos, filmes, fotografias ou gravações, fixados, na hora, por portugueses e estrangeiros e que urgia sistematizar, se limitavam a recolher acriticamente as imagens que nos apaixonaram a todos, com a urgência de quem salva para a memória futura os factos extraordinários que então se viviam. Constituem o retrato de um povo esperançado na construção de uma vida melhor que se sentiu actor central de um projecto para uma sociedade nova, igualitária, democrática e participada. 

O SAAL foi um programa estatal para o realojamento de populações de baixos rendimentos, lançado logo após o 25 de Abril por Nuno Portas, então secretário de estado da habitação. Um filme realizado sobre este processo que envolveu de forma entusiástica e criativa populações, técnicos, funcionários administrativos, políticos e militares e que abrangeu os principais centros urbanos do nosso País, realizado passados mais de trinta anos constituiria, quase inevitavelmente, uma leitura com apetecível generalidade e abrangência. Tem, por isso, os defeitos e as qualidades que decorrem de uma primeira abordagem que se pretendeu a mais exaustiva possível, sobrepondo registos muito diversos que um dia merecerão tratamentos autónomos. Representa, de qualquer forma, uma grande generosidade e empenho militante dos seus jovens autores numa esforçada recolha documental de imagens e depoimentos.

Assim, contam-se muitas histórias:

. a evolução dinâmica do que se chamou o processo SAAL, em confronto com a complexa situação política do nosso País nos dois anos conturbados em que existiu;

. as diferenças regionais que acarretaram diferentes interpretações e concepções por parte dos intervenientes;

. o papel dos arquitectos e técnicos em geral, confrontados com um novo instrumento projectual: a participação efectiva dos futuros utentes;

. o papel central das mulheres em todo o processo em confronto com uma sociedade de domínio predominantemente masculino;

. a leitura dos resultados e das memórias trinta e cinco anos depois;

. os novos movimentos sociais protagonizados pelos emigrantes;

. o projecto do Bairro da Bouça de Álvaro Siza, acabado recentemente.

Daqui o meu olhar paradoxal, sobre esta obra, com uma espécie de contentamento descontente, glosando Camões sobre a paixão.

Jean Jacques Rousseau escreveu no seu Contrato Social: “As casas fazem a urbe, os cidadãos fazem a cidade”. Depois o Zeca Afonso cantou que “o povo é quem mais ordena dentro de ti ó cidade”.

Numa revolução em que não se jogava com metáforas, mas com o real puro e duro, com o objectivo de construir a felicidade para hoje como alicerce da sua perenidade futura, os moradores pobres, sendo protagonistas assumidos desse processo de construção, tiveram cons-ciência plena de que, para fazerem a cidade, deveriam começar pelas casas e que estas deveriam ser para todos. Por isso a distinção entre urbe e cidade não lhes interessou, sendo uma e outra a nova Pátria de que lançavam as fundações. Por isso o SAAL foi como começar pelo princípio de todas as coisas. Antes do direito à cidade esteve o direito ao lugar, ao lugar da infância e do crescimento, de sedimentação da comunidade vicinal. O direito ao lugar escolhido, recusando a fatalidade da expulsão para as periferias suburbanas da ausência de cidade que hoje pertencem sobretudo aos imigrantes, os novos moradores pobres que, chegados do mundo todo, nos dão uma nova esperança de valer a pena continuarmos a luta por uma vida melhor, por “casas para todos contra o capital, como se dizia nesses inesquecíveis dias que vivemos. Colocámo-nos neles por inteiro, arquitectos, colegas do serviço, estudantes e sobretudo moradores de Portugal. De todos tenho saudades. É como se tivesse saudades do futuro que perdemos.|


VER destaque 2 #237
VER destaque 1 #237
VER destaque 2 #238
VER destaque 1 #238
VER destaque 3 #238
VER destaque 2 #239
VER destaque 1 #239
VER destaque 2 #240
VER destaque 1 #240
VER destaque 2 #241
VER destaque 1 #241
VER destaque 3 #241
VER destaque 2 #243
VER destaque 1 #243
VER destaque 3 #243
VER destaque 2 #244
VER destaque 1 #244
VER destaque 3 #244
 FOLHEAR REVISTA